A visita do presidente dos Estados Unidos ao Brasil, no  próximo final de  semana, conta com uma forte ação midiática que  objetiva sensibilizar o  nosso povo. O site da embaixada pede que  brasileiros enviem mensagens de  boas vindas e promete presentear as  melhores com camisas, livros e  outros presentes. Corporações de mídia  foram contratadas – ou a  cobertura que vemos seria apenas reflexo da  simpatia? – para divulgar,  diariamente, a vinda de Barack Obama. Tudo  com muito entusiasmo e  leveza, dando um ar “cool” ao mega-evento e  fazendo parecer que se trata  de uma grande oportunidade oferecida,  gratuitamente, pelos sempre  benevolentes vizinhos do norte. A visita já  ganha contornos de  mega-evento, com direito a show musical e tradução  simultânea.
A ação midiática tem sua razão de ser. Quando Bush visitou o Brasil,   em 2007, milhares de pessoas protestaram no Brasil inteiro. Pude   acompanhar as manifestações no Rio de Janeiro, onde consulado   estadunidense ficou todo pintado, assim como bancos ianques. O lado   triste é que nossa polícia, composta por gente do nosso povo, agrediu os   manifestantes.
E é exatamente isso que pode acontecer quando Obama chegar ao Rio no   próximo domingo, dia 20. Se milhares saíram às ruas da capital   fluminense quando Bush esteve em Brasília, o que podemos esperar quando   Obama pisar no Rio? É certo que Obama não é Bush, mas se os ideólogos   ianques estivessem tranquilos não haveria necessidade de investir tanto   em ações midiáticas.
O Rio de Janeiro tem características específicas, assim como qualquer   outra capital. No caso do povo fluminense, ex-capital da República,   ex-capital da Colônia, palco de uma mistura infinita de religiões, raças   e ideologias, acabamento perfeito da miscigenação de que fala Darcy   Ribeiro. Por tudo isso e muito mais, trata-se de uma região cuja   capacidade de rebelião não pode ser subestimada. Em 2007, uniram-se   partidos de esquerda, movimentos sociais e grupos anarquistas contra a   chegada de Bush. Deram uma demonstração clara de que parte expressiva do   povo brasileiro não aceitava a política de guerra preventiva,   Guantánamo e Abuh Graib de Bush. A aliança será mantida agora, quatro   anos depois? Que fenômeno político terá mais relevância no dia 20: o   protesto das massas ou a plateia inebriada pelas palavras e imagens   sedutoras das corporações de mídia?
A visita de Obama acontece num momento de declínio do império ianque,   que apesar disso ainda é a maior economia e a maior potência militar  do  planeta. No plano interno, o presidente estadunidense tem tido   dificuldades de levar adiante sua agenda, ou pelo menos a agenda que foi   prometida na campanha. Os EUA seguem invadindo Iraque e Afeganistão, e   não conseguiu implementar um sistema público de saúde universal, duas  de  suas principais bandeiras de campanha.
Em artigo recente, o cineasta Michael Moore destaca um terceiro   ponto: o roubo do povo pelos agentes do sistema financeiro, que com a   “crise” de 2008 receberam bilhões de dólares do erário com a chantagem   de que sem essa transferência haveria uma quebradeira generalizada.
O Brasil, por outro lado, é o país com maior população, maior PIB,   maior território e mais riquezas naturais da América Latina. Nos últimos   oito anos, milhões de pessoas saíram da miséria e ingressaram na  classe  média. O mercado de consumo avança, o emprego cresce e as obras  não  param em todo o território nacional.
No cenário internacional, o Brasil é um país cada vez mais  respeitado.  Saímos da posição de expectadores para a condição de um  ator relevante.  Somos escutados, requisitados para mediar conflitos,  duplicamos nossas  representações diplomáticas em todo o mundo e temos  boas probabilidades  de ingressar como membro efetivo do Conselho de  Segurança das Nações  Unidas.
Nos últimos anos, ao contrário do que certos colunistas afirmam, o   Brasil não manteve uma posição de enfrentamento aos EUA. Nós   simplesmente passamos a expressar nossas próprias opiniões – isso sim   incomodou àqueles que só enxergam o Brasil seguindo ordens de   Washington.
Na nova ordem multilateral seguida pelo Brasil, ampliamos nossas   relações comerciais com nossos vizinhos latino-americanos e   estabelecemos novas negociações com outros parceiros, especialmente   países africanos e árabes. O eixo Sul-Sul foi fortalecido, de modo que,   proporcionalmente, foi reduzida a relevância (e com isso a influência)   da relação com os Estados Unidos.
Nessa conjuntura, Obama deve vir ao Brasil com um discurso de   conciliação. Vai querer ganhar o apoio do “gigante do Sul” para a sua   esfera de influência, e dessa forma reforçar sua disputa global com   China e União Europeia. No plano interno, uma aproximação comercial com o   gigante do sul pode dar uma sobrevida ao país em crise. Mas quais   seriam as consequências para a integração latino-americana?
Vamos acompanhar com atenção as movimentações das ruas e as   articulações diplomáticas, com a certeza de que em jogo estão os   interesses não apenas de Brasil e Estados Unidos, mas de todo o povo   latino-americano.
Marcelo Salles, jornalista, atuou como correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro (2004 a 2008), e em La Paz (2008 a 2009).
Marcelo Salles, jornalista, atuou como correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro (2004 a 2008), e em La Paz (2008 a 2009).
 *Matéria publicada originalmente no O Escrevinhador
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