O Estado precisa, sem dúvida, da crítica, mas não à custa de desmoralizarmos o que já conquistamos
O PRESIDENTE Lula, em entrevista ao “Valor Econômico”, deu uma lição de nacionalismo e do que significa a política em uma sociedade democrática. Em relação ao primeiro ponto, Lula declarou-se nacionalista, cobrou dos empresários que também o sejam, e disse que há tempos vem demandando que a Vale construa usinas siderúrgicas no Brasil em vez de exportar apenas minério de ferro. Suas palavras: “Tenho cobrado sistematicamente da Vale a construção de usinas siderúrgicas no país. Todo mundo sabe o que a Vale representa para o Brasil. É uma empresa excepcional, mas não pode se dar ao luxo de exportar apenas minério de ferro (…). Os empresários têm tanta obrigação de ser brasileiros e nacionalistas quanto eu!”. Acrescentaria, e com mais ênfase, que os economistas também deveriam ser tão patrióticos ou nacionalistas quanto reclama o presidente.
A política de não exportar bens primários, mas bens manufaturados com mais elevado valor adicionado per capita, é mais antiga do que a Sé de Braga. Os grandes reis mercantilistas ingleses, no final do século 15 (sic), já adotavam a política industrial de proibir a exportação de lã para que fosse exportado apenas o tecido fabricado com a lã. Os chineses, recentemente, impuseram imposto à exportação de aço porque querem exportar os bens acabados produzidos com o aço. Dessa forma, além de criarem empregos, criam empregos com maior conteúdo tecnológico, que pagam maiores salários, e assim seu desenvolvimento econômico se acelera. Enquanto isso, nossos economistas nos dizem que o problema deve ser deixado por conta do mercado. Dessa forma, mesmo quando exportamos aço, exportamos principalmente o aço bruto, e estamos concordando em exportar soja em grãos para os chineses que não querem comprar o óleo de soja!
E a lição de política? Em primeiro lugar, Lula revelou, em vários momentos, respeito por FHC, Marina Silva e José Serra. Segundo, defendeu de forma oportuna o Congresso: “O Congresso é a única instituição julgada coletivamente. Mas se não houve sessão você fala: “Deputado vagabundo que não trabalha”. E nunca cita os que estiveram lá, de plantão, o tempo inteiro. Quando era constituinte, eu ficava doido porque ficava trabalhando até as duas, três horas da manhã (…). Se vocês não gostam de política, acham que todo político é ladrão, que não presta, não renunciem à política. Entrem vocês na política porque, quem sabe, o perfeito que vocês querem está dentro de vocês”.
O presidente tem razão. A política é muito importante, afeta nossas vidas, e deve ser prestigiada e ser adotada como profissão pelos melhores dentre nós. O Brasil precisa dramaticamente de bons políticos, e, felizmente, conta com um bom número deles. De homens e de mulheres dotados de espírito público, de compromisso com a nação, que, sem deixar de defender seus interesses legítimos, defendam também os do Brasil. Mas quando lemos os jornais, quando conversamos com os amigos, parece que ninguém presta. Definitivamente, não é verdade. É verdade que nosso país não conta com um Estado e com uma política como aqueles que existem nos países escandinavos, mas é também verdade que, considerado o grau de desenvolvimento econômico e cultural do Brasil, temos um nível de organização do Estado, de qualidade das instituições, e de compromisso de muitos políticos com a cidadania e o bem público que considero acima da média. Precisamos, sem dúvida, da crítica, mas não à custa de desmoralizarmos o que já conquistamos.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de “Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994″. Internet:
www.bresserpereira.org.br