CENTRO-OESTE, SEM TEMPO A PERDER
Delúbio Soares (*)
“Só quero saber do que pode dar certo,
não tenho tempo a perder”
(Torquato Neto)
Até bem pouco tempo atrás – e essa é a constatação a que estamos chegando – o Brasil não conhecia o Brasil. Estávamos circunscritos ao “sul maravilha”, suas riquezas e o desenvolvimento que já vinha do Império. Por “sul” entenda-se a região geográfica do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul. As demais regiões do país, com as exceções de praxe, confirmavam a regra, entregues à sua própria sorte, com alguns bolsões medianos de progresso e duas ou três capitais importantes do Nordeste. E só.Nossos governantes tinham os olhos para a Europa e as costas voltadas para o interior do país. JK, com a lucidez de visionário, retira a capital da República do litoral e a transfere para o chapadão do planalto central, em pleno Estado de Goiás, no coração do Brasil. Mais que uma nova e moderna capital, havia se iniciado a marcha para o oeste, com a descoberta de um novo e promissor celeiro agrícola, numa convergência benfazeja de fatores que vão do solo ao clima, da bacia hidrográfica à topografia, da riqueza de sua fauna e flora à qualidade da mão-de-obra.
Com uma população bastante menor que a do Nordeste, do Sudeste, do Sul e só maior que a da Amazônia, o Centro-Oeste, era um vasto, rico e promissor território a ser conquistado. O latifúndio improdutivo e as oligarquias reacionárias o dominaram por séculos e o atrasaram barbaramente.
Hoje, acompanhando a explosão desenvolvimentista, o surto de progresso, a irrefreável ascensão sócio-econômica de Goiás, do Tocantins, do Distrito Federal, de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, aquele quadro de estagnação e atraso parece estar muito mais longe do que realmente está. É um velho retrato que se apaga perdido nos escaninhos da memória. Dentro em breve teremos dificuldade de explicar às novas gerações não o sucesso excepcional de nossa região, com o agronegócio e a industrialização, mas o porquê ele foi tão retardado…
Pesquisa da Kantar Worldpanel, publicada com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo, revela que a média do volume e do gasto das famílias brasileiras em suas compras nos supermercados é de 10,4% (numa cesta básica com 65 produtos de higiene e limpeza, bebidas e alimentos), enquanto no Centro-Oeste esse índice chega a impressionantes 18,0%. Ou seja, há mais consumo, há mais renda, há mais circulação de riqueza na região.
A mesma pesquisa demonstra que em 2010 a renda mensal das famílias da região superou em 7% os gastos. Houve um ganho real, já que em 2009 essa relação era estável. A região, nesse quesito, ultrapassou no ano passado a Grande São Paulo e a região Sul, onde a renda excedeu em apenas 2% o gasto; havendo equilíbrio no interior de São Paulo e no Norte e Nordeste, enquanto outras regiões, como o interior fluminense e a região metropolitana do Rio de Janeiro tiveram déficit de 5% e 16%, respectivamente, segundo o interessante levantamento da Kantar Worldpanel.
No Centro-Oeste, também, aumentou substancialmente as compras de automóveis: em Campo Grande, a moderna capital do Mato Grosso do Sul, o crescimento da venda chegou a impressionantes 61,4%, e em Cuiabá (MT) a 54%, acima da média nacional de 42,1% (período de 2007/2010). Esse dado é um indicativo ainda mais importante se lembrarmos que a maior parte dos compradores vem de brasileiros que não tinham acesso ao crédito e nem possuíam automóveis. Uma massa de mais de 30 milhões de brasileiros saiu da pobreza e ingressou na classe média nos oito anos do vitorioso governo do presidente Lula, consumindo mais, gerando riqueza, pagando impostos, movimentando a economia e mudando a face de um país que optou pelo desenvolvimento com inclusão social.
A região Centro-Oeste vem liderando o crescimento nacional, mesmo sendo a responsável por apenas 9,2% do PIB de nosso país. Seu crescimento vem sendo gradual e consistente, sustentável e com sólidas bases na vocação para o agronegócio, a pujante agricultura familiar e a moderna industrialização. Exatos 77% da receita de grãos a serem produzidos em 2011, equivalentes a R$ 74 bilhões, são de nossa região e fruto de um esforço conjunto dos produtores e do governo federal. As safras de milho, soja, arroz e algodão irão movimentar ainda mais a economia que mais cresce e se expande na região onde as oportunidades não se cansam de surgir e se respira trabalho, otimismo e sucesso. Vamos colher a maior safra de nossa história. Serão quase 160 milhões de toneladas no ciclo 2010/2011, quebrando mais um recorde internacional. O Centro-Oeste tem imensa responsabilidade nesse feito.
O ‘boom’ industrial, retratado pelo crescimento de 17,1% de Goiás em 2010 (o 2º maior do país), faz de meu querido Estado de Goiás uma aposta vitoriosa para as empresas que lá investiram e nas que, atraídas pelas excepcionais condições da terra e da gente, estão chegando a cada dia. Anápolis, uma das melhores cidades do interior brasileiro, viu em menos de uma década, justamente nos anos do governo Lula, o seu porto seco saltar de um movimento acanhado de menos de US$ 35 milhões para eloqüentes US$ 3 bilhões em 2010! E naquela cidade já se instalaram 125 empresas no seu pólo industrial, segundo reportagem do jornalista João Domingos, em O Estado de S. Paulo, em recentíssima edição.
Anápolis se beneficiará, ainda, com a posição estratégica de entroncamento logístico, onde confluirão as ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste, essa já iniciada no governo Lula e continuada pela presidenta Dilma, possibilitando que toda a produção agroindustrial seja levada aos portos de Itaqui (Maranhão), Pécem (Ceará), SUAPE (Pernambuco) e Ilhéus (Bahia), além dos portos de Santos (SP) e de Vitória (ES), através da Ferrovia Centro-Atlântico. O transporte ferroviário, com sua rapidez, simplicidade e baixo custo, será o corolário de uma equação perfeita no escoamento de toda a produção regional, ganhando competitividade nos mercados internacionais e gerando divisas para o país.
O Brasil demorou a olhar para o seu interior. Perdeu muito tempo, mas não perdeu a oportunidade que agora agarra com energia e decisão. Uma viagem pelo interior de Goiás ou do Tocantins, ou de qualquer dos dois grandes Mato Grosso, é uma renovada injeção de ânimo e de confiança no futuro de grandeza que está logo ali, nos esperando. Pequenas cidades nada ficam a dever a Municípios ricos de São Paulo, Minas Gerais ou Paraná. Não há terra sem cultivo, o desemprego foi praticamente banido, faculdades se implantaram em todo o interior e uma nova classe média, sólida e empreendedora, afasta o conservadorismo e finca a bandeira do século XXI em pleno cerrado. A internet banda larga, a colheitadeira com GPS e ar condicionado, escola e saúde de boa qualidade, o empresário de cabeça arejada, a população politizada, o compromisso com a qualidade e a busca do êxito – são algumas das marcas da nova fronteira da produção e do consumo.
Recordo-me dos tempos em que lutávamos contra o latifúndio improdutivo e os coronéis atrasados e víamos nossa região subjulgada por uma oligarquia bovina e reacionária. Tempo faz. Hoje há um sentimento de forte compromisso democrático no plano político e a ideologia do desenvolvimentismo no plano social e econômico. É a herança bendita dos oito anos do governo Lula no oeste, desbravado por JK e consolidado por milhões de brasileiros que só querem saber do que pode dar certo por não terem tempo a perder.
(*) Delúbio Soares é professor
Lélia Abramo, atriz do povo
Mar 24, 2011
Delúbio Soares (*)
“Todo artista tem de ir aonde o povo está”
(Milton Nascimento)
Lélia Abramo, uma das mais admiráveis atrizes brasileiras
de todos os tempos, faria 100 anos em 8 de fevereiro. Deixou-nos em abril de 2004, depois de uma existência profícua vivida
intensamente, com profundo amor aos semelhantes e crença
inabalável em um mundo melhor e uma sociedade mais justa,
solidária e feliz. Filha de imigrantes italianos, Lélia nasceu em São
Paulo e foi viver na Itália entre 1938 e 1950. Lá conheceu de perto
os horrores do fascismo e a miséria da guerra. Irmã de dois de
nossos maiores jornalistas, Cláudio (o maior de sua geração) e
Perseu (meu companheiro petista), e de Livio, renomado artista plástico, desde muito cedo ela respirou arte e política, colocando a vida a serviço de suas idéias generosas.
Cumprindo a sina e o destino das grandes mulheres, Lélia Abramo foi muito mais do que dela se poderia esperar. Ao Invés de ter-se acomodado no alto de sua fama, no inegável prestígio angariado ao lado de uma carreira irretocável construída graças ao imenso talento cênico aliado a um caráter admirável, ela foi uma guerreira das melhores causas do povo brasileiro. Gritou quando muitos se calaram. Lutou pela liberdade de expressão nos tempos do obscurantismo e da ditadura. Não se acovardou, não temeu, com a mesma garra com que iluminava os palcos desfilou em passeatas estudantis, lutou pelas diretas, foi companheira solidária e destemida dos que sofriam a opressão do regime totalitário. Que mulher admirável!
Lélia havia comandado a primeira chapa de oposição sindical após o golpe militar de 1964 no sindicato de sua categoria em São Paulo. De forma surpreendente, diante da incredulidade geral, a grande atriz assume a presidência de sua entidade de classe, promove profundas mudanças, enfrenta os patrões e denuncia abusos. Mas paga um preço altíssimo: é ignorada por algumas das principais redes de TV durante muitos anos. Foi uma luta de titãs: de um lado os grandes empresários da comunicação, de outro, uma mulher só. Para Lélia isso não era quase nada. Ou nada, mesmo. Quanto mais dura a parada, mais forte ela se tornava. Minha saudosa companheira era um admirável exército de uma mulher só.
Conheci Lélia em fins dos anos 70, quando juntos participamos da fundação do Partido dos Trabalhadores. Chegado de Goiás, professor da rede pública de ensino e dirigente sindical, olhava admirado para aquela figura de mulher carismática e ao mesmo tempo de impressionante simplicidade. Só a conhecia das telas das TVs, em um sem número de papéis, sempre de destaque, quase sempre dramáticos, encarnando mulheres do povo, mães de família, pessoas comuns e sofridas. E pessoalmente a grande atriz não era muito diferente disso: simples, afável, disponível para o trabalho, absolutamente despojada de qualquer ambição política ou vaidade pessoal.
Já lá se vão mais de três décadas e parece que foi ontem. As imagens continuam vivas e me recordo de Lélia ao lado de Sérgio Buarque de Hollanda e de Mário Pedrosa, entre tantos outros artistas e intelectuais, participando da fundação do PT. Orgulho-me de tê-los conhecido e com eles fundado um partido que mudaria a história do Brasil para melhor.
Ao comemorar seu centenário, com certeza a justa homenagem que podemos prestar à grande artista e corajosa militante das causas populares é recordar seu exemplo luminoso. Colocou seu talento a serviço de ideais generosos, como o genial Picasso nas artes plásticas, exilado na França e combatendo o regime criminoso do ditador Franco em sua Espanha natal. Como Charles Chaplin, o gênio que levou Hitler ao escárnio com sua inigualável sátira do líder nazista em “O Grande Ditador” e depois seria perseguido pelo macarthismo nos anos 50, saindo dos EUA e indo viver na Suiça. Como Mercedes Sosa, a fabulosa artista argentina que usou de seu imenso prestígio internacional para denunciar o regime militar que praticava verdadeiro genocídio em seu país. Como Melina Mercouri, a grande atriz de “Zorba, o grego”, inimiga visceral da ditadura dos coronéis na Grécia e depois brilhante Ministra da Cultura de seu país. Como Vanessa Redgrave, artista célebre que brilhou no cinema e foi tão premiada por suas atuações quanto presente nas lutas sociais dos trabalhadores britânicos. Mas Lélia foi, também, pessoas anônimas, visionárias, guerreiras, empreendedoras, inconformadas, dessas que giram a roda da vida e fazem a história acontecer.
Sem ser uma líder feminista, ela abriu caminho para as mulheres num tempo de imenso preconceito e discriminação machista. Firmou-se pelo talento, impôs-se pela competência, venceu pelo trabalho. Hoje, depois que o partido que ela ajudou a fundar e construir chegou ao poder em 2003 e mudou profundamente as estruturas sociais e econômicas do país, quase 11 milhões de mulheres brasileiras decretaram sua independência econômica e partiram para um empreendimento, seja ele um salão de cabeleireiros ou uma empresa financeira, esteja num bairro da periferia de Goiânia ou na Avenida Paulista. Praticamente metade dos estudantes que chegam às universidades através dos programas iniciados no governo do presidente Lula e continuados no da presidenta Dilma, notadamente o Pro-Uni, são jovens brasileiras, que, no geral, apresentam médias de aprovação altíssimas em todas as faculdades cursadas. Quando Lélia brilhava nos palcos, gritava nas passeatas ou prestava depoimento nos calabouços da ditadura, o Brasil não tinha nenhum ministério ocupado por uma mulher. Hoje, governado pelo partido fundado por Lélia Abramo, nove são as ministras escolhidas por uma presidenta.
O Brasil de hoje, democrático, mais justo e que avança a largos passos para um lugar privilegiado entre as Nações mais desenvolvidas, é fruto da dedicação, da crença e do idealismo de mulheres e de homens que se doaram ao longo de décadas à luta para que pudéssemos chegar até aqui. Lélia Abramo, atriz do povo, brilhou nos palcos e na vida, hoje brilha na história.
(*) Delúbio Soares é professor
www.delubio.com.br
Delúbio Soares (*)
O baiano Otávio Mangabeira foi um dos maiores brasileiros de todos os tempos, um cultor da liberdade e dos valores da cidadania. Ainda jovem, foi chanceler na República Velha e impressionou o país com seu talento e competência. O Estado Novo, em 1937, o levou ao exílio. Voltando em 1945, Mangabeira foi eleito governador de sua terra e realizou uma excelente administração, que investiu na educação como nunca antes qualquer outro governo. Era um otimista nato, mas sempre se referia à democracia no Brasil como “essa plantinha tenra”.
Como admirador do velho e saudoso estadista baiano luto por uma democracia que seja um jatobá frondoso – como aqueles do belíssimo interior do meu Goiás, de raízes profundas no solo da brasilidade, secular, à prova das intempéries e que sobreviva às gerações futuras, mas defendo que cuidemos dela como se fora a plantinha tenra, sempre carente de atenções e cuidados, de nossa vigilância diuturna contra seus inimigos, merecedora de imenso respeito e consideração absoluta.
A democracia tem se mostrado ao longo dos séculos o regime que melhor se adapta às necessidades dos povos. Nas conturbadas transições históricas, nos processos revolucionários, na desgraça das ditaduras, depois dos golpes de estado, não importa em que situação, mais cedo ou mais tarde o sol da liberdade irá nascer e com ele a democracia reinará sobre todos. Sempre foi assim e assim sempre será. Há exemplos eloqüentes ao longo da história da humanidade e todos eles demonstram a vitória das liberdades, a prevalência da democracia e a grandeza dos povos e de seus destinos históricos.
Desde a redemocratização, após a belíssima campanha das Diretas Já, com milhões de brasileiros nas ruas exigindo pacificamente o seu direito sagrado e inalienável de escolher o presidente da República, o Brasil tem dado demonstrações de maturidade e de democracia que se enraíza no solo da nacionalidade. Não faltou quem conspirasse contra a democracia, quem não se conformasse com sua robustez e seu sucesso, com a clara opção que os brasileiros fizeram por ela, mas não obtiveram sucesso algum em seus intuitos de levar o Brasil novamente ao regime ditatorial, ao império do terror e do desrespeito aos direitos humanos e às liberdades individuais.
Durante o governo do presidente Lula, quando a democracia já estava assentada no campo político, ela começou a se tornar uma realidade no aspecto social: mais de 30 milhões de brasileiros passaram da pobreza para a classe média. Não eram somente os indicadores de desenvolvimento humano (IDH), não era só a chamada “mobilidade social” a pleno vapor, mas era a democracia que passara da urna para o fogão: quem já exercia sua cidadania política passava a exercer uma espécie de cidadania social, comendo, vivendo melhor, dando uma vida bastante melhor para sua família, morando em casa digna, podendo comprar um carro, viajando de avião, ingressando na poderosa classe média nacional.
Dos presidentes da redemocratização de 1985 até os dias de hoje, o presidente Lula foi o mais combatido, justamente por esse detalhe: levou a democracia para a vida das pessoas mais simples, para o seu dia-a-dia, para o carrinho de suas compras nos supermercados, suas vestimentas, seus hábitos cotidianos, seus horizontes de vida. Lula ousou e conseguiu assegurar a cidadania a dezenas de milhões brasileiros deixados de lado por uma sociedade profundamente injusta. Isso foi, antes de tudo, um exercício de democracia e por isso Lula foi duramente combatido ao ponto de não pouparem todas as tentativas e possibilidades contra sua investidura e sua autoridade. O Brasil, que hoje celebra o êxito de seu governo espetacular em todos os campos, tanto no social quanto no econômico, deve registrar que a profunda crença democrática, a convicção arraigada desse operário nos postulados da democracia e de seus valores mais caros, foram vitais para que hoje pudéssemos avistar o futuro promissor de potência mundial não como miragem, mas como perspectiva alvissareira e muito próxima. Lula tanto resistiu à tentação autoritária da continuidade de um terceiro mandato, quanto resistiu bravamente ao golpismo impenitente.
A presidenta Dilma Rousseff dedicou sua juventude à luta pela liberdade. Pagou um preço caro por isso. Somente uma mulher corajosa e que acreditou tanto em suas convicções e por elas lutou com todas as suas forças pode dar os exemplos que ela tem dado. Do dia de sua posse até hoje não houve discriminação a nenhum governador de oposição, a parlamentar algum, a nenhum veículo de imprensa. Dilma está fazendo de seu mandato uma profissão de fé democrática, como foi sua vida pessoal e política, como foi o governo Lula, como é o programa do PT. A postura serena e o credo democrático da presidenta que os brasileiros elegeram, só é surpresa para os que não a conheciam ou os que não buscaram saber de sua história.
Cabe a todo brasileiro, da presidenta Dilma ao cidadão comum, guardar os valores democráticos e zelar pelas liberdades, cuidando da “tenra plantinha” a qual se referia mestre Otávio Mangabeira. Mas saibam os inimigos da liberdade, os golpistas de ontem, de hoje e de sempre, que as raízes da “tenra plantinha” já são profundas na terra brasileira, tal qual as dos frondosos jatobás de minha infância nos sertões goianos.
(*) Delúbio Soares é professorDesemprego nunca mais
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No Brasil o desemprego não terá mais chances. J O Brasil livrou-se de um de seus maiores problemas, que afligiu a vida de nosso povo, promoveu a infelicidade nos lares, sabotou o desenvolvimento econômico, conspirou contra a estabilidade social e ameaçou por décadas até a democracia. Foi no governo do presidente Lula, fruto das políticas desenvolvidas na área social e do estrondoso êxito da condução econômica, que tal flagelo passou a fazer parte apenas de um passado doloroso e não mais da atualidade. Há duas questões que penalizam sobremaneira a classe trabalhadora, que desestabilizam a classe média e colocam em xeque a Nação, seus valores e o próprio futuro: o desemprego e a inflação. E não é apenas no Brasil que esse binômio maldito, promotor de nefastas conseqüências, já deixou as marcas indeléveis de sua ação. A América Latina, continente relativamente jovem em relação à velha Europa e à milenar Ásia, teve no desemprego e na inflação as forças opostas ao seu desenvolvimento e geradoras das mais terríveis desigualdades, em sentido contrário à exuberância de recursos minerais, potencialidades econômicas e à clara destinação de grandeza que é notável desde a gélida Patagônia até a fronteira norte do México. No Brasil, por exemplo, pudemos constatar que a aplicação do receituário neoliberal durante os anos do governo FHC gerou desemprego e recessão, e a imagem das filas de cidadãos lutando por poucas vagas disponíveis rodeando quarteirões, com o sofrimento e a desilusão estampados nas faces de centenas ou milhares de desempregados. Foi um dos piores momentos de nossa história. Como dirigente sindical, ao lado dos meus companheiros fundadores da CUT, acompanhei aquela quadra difícil de nossa história e pude estudar profundamente o que é o desemprego e a forma brutal com que ele compromete o futuro dos países e a vida dos trabalhadores. Aliado à inflação, certamente, torna-se uma espécie de bomba de nêutrons que explode, certeira e inclemente, no seio da sociedade e no coração das famílias. Hoje o Uruguai, sob a presidência do companheiro Pepe Mujica, vive o pleno emprego, após vigorosa recuperação econômica nos anos do Estadista Tabaré Vasquez. Sua economia dá mostras de irresistível ascensão e os investidores nacionais e estrangeiros colocaram o pequeno e extraordinário país platino no mapa do desenvolvimento. Mas não faz muito a equação maldita ditadura & neoliberalismo/desemprego & inflação levou nossos irmãos uruguaios à bancarrota. Na Argentina não foi diferente. Com requintes de crueldade social e sadismo econômico, a ditadura e seu economista, o tristemente célebre Martinez de Hóz, no final dos anos 70 e, na década dos 90, o neoliberalismo de Carlos Menem e seus ministros da área econômica – notadamente Domingo Cavallo, um “Chicago-boy” – arrasaram aquele importante parceiro nosso no Mercosul. A inflação e o desemprego deixaram digitais sinistras num país que já foi sinônimo de industrialismo, agricultura forte, produção e riqueza. No Brasil vencemos o desemprego. Sempre quis poder dizer isso, escrever tal frase, comemorar tamanho acontecimento. Achava difícil, jamais impossível. Nas salas de aula, nos sindicatos, no Fundo de Amparo ao Trabalhador, na CUT, no PT, nas lutas pelo Brasil que almejamos, sempre sonhei acordado com tal conquista. Hoje, ao constatar a situação de pleno emprego, tenho a íntima satisfação de ver que todas as lutas e sofrimentos, que tantas greves reprimidas, tantos processos e intimidações contra os sindicatos e seus dirigentes, valeram a pena! A firmeza de nossos trabalhadores e a iniciativa de nossos empreendedores se constituiu em fermento que potencializou esse momento raro e tal situação, que creio definitiva para o Brasil e seu grande povo. O governo do presidente Lula gerou mais de 15 milhões de empregos ao longo de oito anos. Só em 2010 foram exatos 2 milhões e 520 mil novos postos formais de trabalho. Trata-se de uma legião de mulheres e homens, do Rio Grande do Sul até Roraima, entrando no mercado de trabalho e participando dos esforços para melhorar cada vez mais um país que recobrou sua auto-estima e o respeito das demais Nações, que venceu as barreiras do subdesenvolvimento e já desponta no cenário internacional como uma das cinco potências da próxima década. São números expressivos se comparados à geração pífia nos anos de governo do PSDB, com cerca de cinco milhões de empregos conseguidos na mesma faixa de tempo, ou seja, em oito anos do governo neoliberal de FHC. É a diferença entre a água e a sede, entre o Brasil de Lula, um Brasil vitorioso e cheio de futuro, e o Brasil derrotado, sem credibilidade e sem expectativas ou reconhecimento. Não acredito em país que se firme como Nação, que esteja apto a vencer no concorrido mercado internacional, que se transforme em opção para os empreendedores ou porto seguro para grandes investimentos, se o desemprego se fizer presente na vida nacional. Desenvolvimento e desemprego não combinam entre sí, progresso e desemprego não se misturam, enquanto pleno emprego e democracia são complementares, emprego e desenvolvimento andam juntos. O governo da presidenta Dilma Rousseff, em cálculo realista e mesmo conservador, já estabeleceu a meta de criação de três milhões de novos empregos formais em 2011. Segue, com competência técnica e decisão política, o caminho aberto pela administração de Lula e aposta no desenvolvimento e na consolidação de uma economia pujante e baseada em sólidos fundamentos. Não há outro caminho. No Brasil o desemprego não terá mais chances. (*) Delúbio Soares é professor |
CARNAVAL, O BRASIL NA AVENIDA
*Delúbio Soares
“Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão, pela cidade”
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão, pela cidade”
(“Sonho de um carnaval”, Chico Buarque)
Faz poucos dias, mortificado, assisti pelos telejornais as labaredas de um incêndio que consumiu diversos barracões de várias escolas de samba no Rio de Janeiro. Carros alegóricos e fantasias, os destaques de várias alas, as gigantescas figuras de luz e de sonho que encantam milhões de brasileiros e bilhões de pessoas ao redor do mundo, que pelo milagre da TV e da Internet acompanham a mais bela festa do planeta, foram destruídas pelo fogo em minutos apenas. Na antevéspera do reinado de momo, as cinzas se tornaram uma cruel e terrível realidade.
Mas a capacidade de reinventar-se do povo brasileiro, sua total disposição de luta e a crença inabalável em cada recomeço, determinaram que aquele episódio já pertença a passado dos mais longínquos, tal a força e alegria com que a população carioca e seus carnavalescos se lançaram a tarefa de reconstruir o que o fogo destruiu, de recuperar o trabalho perdido e lutar pela conquista das arquibancadas, das multidões, do reconhecimento popular, de vencer mais um carnaval, de fazer de seu samba-enredo o campeão na avenida, de levar alegria ao povo.
O carnaval é mais que um espetáculo de luz, de cor, de som, de alegria. É mais que uma manifestação da musicalidade e da expressividade corporal de nossa gente. Ultrapassa as fronteiras do acontecimento que congrega milhões de brasileiros, que atrai outros tantos milhares de estrangeiros e gera uma quantidade de divisas consideráveis, movimentando o turismo e fazendo do Brasil por alguns dias o centro do noticiário e das atenções da imprensa internacional. O carnaval é a continuidade de uma tradição das mais belas, da arte que vem do seio do povo, em demonstrações de talento e de criatividade insuperáveis.
Não há cidade no interior desse país imenso, de norte a sul, por menor que seja em que o período carnavalesco não se faça sentir através de alguma iniciativa. Seja um bloco tímido numa localidade interiorana do meu querido Estado de Goiás, ou na majestosa entrada da Estação Primeira, quando seus tamborins e os poetas de sua Comissão de Frente, pisando as folhas secas caídas de uma mangueira, estremecem o solo da avenida e nos recordam a força e a beleza da arte que desce o morro e encanta o Brasil e o mundo.
Li que Helsinque, a gélida capital dos finlandeses, já faz o seu carnaval. E o teria “copiado” do Rio de Janeiro. Seria muito acreditar que lá existam barracões, carnavalescos, puxadores de sambas-enredo, passistas e mestres-salas. Mas é correto pensar que existe o espírito da alegria e um enorme bom gosto: tentar, mesmo que a 50 graus abaixo de zero copiar o que os cariocas fazem com 40 graus a sombra, e ensinar alvas moçoilas de pele de porcelana o segredo divino que somente os pés de mulatas esculturais que tiveram a graça de nascer em Vila Isabel, no Morro do Chapéu Mangueira, na Rocinha, em Nilópolis ou no Morro da Portela, é algo absolutamente impossível. Haverá, vinda dos confins da Lapônia, uma brancarana sorridente, com a ginga de Vilma, a porta-bandeira que emocionava a avenida e monopolizava os olhares para a beleza plástica de seu bailado, a elegância de seus movimentos, como se fora uma Margot Fonteyn do asfalto? Mas a tentativa é válida e mostra que o carnaval é uma festa de paz e de harmonia entre os povos por mais distantes que estejam.
O Guinness Book registra em sua edição mais recente que o fabuloso carnaval da Bahia é “a maior festa popular de rua do mundo”. Desde 1995 o mesmo Guinness declarou o genial Galo da Madrugada, do Recife, como “o maior bloco de carnaval do mundo”. E, independente do que o Guinness Book, com a autoridade e a seriedade que lhe reconhecemos, atesta, nós todos já sabemos há séculos que o carnaval é a mais bela, a mais alegre, a mais fraterna, a mais humana, a mais democrática das festas que o gênero humano inspirou.
O reinado de momo se aproxima. Reinado absolutista, de absoluta alegria, que toma conta de todos, com os sambas-enredo, verdadeiras obras-de-arte, que serão cantados por gerações. As avenidas e as praças se lotarão de sonhos e de fantasias, de luzes e de cores, de sons e de risos.
Recordemos dos valores maiores dessa arte popular, como Cartola, Chiquinha Gonzaga, Capiba, Tia Ciata, Dodô e Osmar, Monarco, Nélson Cavaquinho, Carmem Miranda, Noel Rosa, Jamelão, Neguinho da Beija-Flor, João Nogueira, Lamartine Babo, Braguinha, e de todos os que, desde os tempos do Entrudo, dos Corsos, dos carnavais de sempre, com talento e alegria, preservaram esse patrimônio lindo de nossa nacionalidade.
(*) Delúbio Soares é professor