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| Lula participou de fórum sobre mudanças no mundo árabe em Doha | 
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista  exclusiva à BBC Brasil, que as rebeliões que sacodem o Oriente Médio são  "um bem para a democracia".
Na opinião de Lula, que participou do fórum "O mundo árabe em  transição: o futuro chegou?", promovido pela rede de TV Al Jazeera em  Doha, no Catar, os protestos devem promover mudanças na região como o  aumento da preocupação com a população jovem e com a distribuição de  renda.
"Uma fruta, por mais gostosa que seja, quando fica no pé e você não a  colhe no tempo certo, apodrece e cai. O mesmo acontece com os  governantes. Na medida em que vai passando o tempo, na medida em que a  juventude começa a perder a esperança, acontece o que está acontecendo",  disse Lula, recorrendo a uma de suas famosas metáforas, ao comentar as  rebeliões no Oriente Médio.
  O ex-presidente negou ter sido sondado pela Venezuela  para liderar uma comissão de mediação da crise na região, mas defendeu a  aproximação do Brasil com países do Oriente Médio e disse que isso  aumenta a independência tanto do Brasil como da região em relação aos  Estados Unidos. 
"O Brasil não quer pedir licença, o Brasil quer ser respeitado, ser  tratado como adulto", afirmou Lula, ao comentar a ambição brasileira de  exercer um papel de liderança no cenário internacional.
O ex-presidente também abordou sua relação com a presidente Dilma  Rousseff ao dizer que mantêm contato próximo com ela e que não há  divergências entre eles: "O dia em que tiver divergência entre eu e ela,  ela terá razão".
Lula disse ainda que está feliz na condição de ex-presidente, que ter  deixado o poder com 85% de aprovação o deixa com "a sensação de dever  cumprido", e que ainda é cedo para dizer o que fará no futuro - se  voltará para a política no Brasil ou se candidatará a algum cargo  internacional.
Leia abaixo a entrevista do ex-presidente Lula à BBC Brasil.
BBC Brasil - Qual a sensação de, depois de dois mandatos, deixar o governo com mais de 85% de aprovação?
Luiz Inácio Lula da Silva - É uma sensação de dever cumprido. Quando  eu disputei (as eleições para) o primeiro e o segundo mandato, nós  tínhamos traçado o objetivo de construir um Brasil diferente, com  inclusão social, distribuição de renda, geração de empregos. Da volta do  desenvolvimento do Brasil. E também tínhamos estabelecido a ideia de  fazer com que o Brasil tivesse uma inserção no mundo mais importante. E  nós atingimos o objetivo. Nós superamos as expectativas até de gente  nossa. Eu sinto hoje o prazer de ter valido a pena ter perdido três  eleições, de ter tido paciência e de ter esperado para ganhar as  eleições e provar que nós éramos capazes de fazer mais do que aqueles  que tinham governado antes de nós. E também o prazer de saber que a  presidente Dilma Rousseff pegou um país muito mais estruturado, com  muito mais investimento no setor produtivo, muito mais possibilidade de  avançar do que eu peguei. Estou feliz de estar nessa nova função de  ex-presidente.
BBC Brasil - Há alguma coisa que o senhor gostaria de ter resolvido  no Brasil em seus dois mandatos como presidente e que não conseguiu?
Lula - Deve ter muita coisa. Tem muita coisa que começamos e que não  terminamos, que vai terminar agora. Agora temos uma preocupação  extraordinária: vamos ter a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos  no Rio em 2016. Sempre há pessimistas que dizem que vai ter problema.  Nós não teremos problemas com aeroportos, com segurança. Eu sou muito  otimista. Se você me perguntasse: "o que falta fazer no Brasil?", eu  diria: "muita coisa". Certamente vamos descobrindo ao longo do tempo. O  tempo vai se encarregar de dizer, e nossos adversários também vão  descobrir. Agora vamos torcer para que a companheira Dilma faça tudo  aquilo que falta fazer.
BBC Brasil - E qual é a sua avaliação desses quase 100 dias de governo Dilma?
Lula - Posso te dizer que foram muito mais tranquilos do que os meus  primeiros 100 dias. Porque a Dilma hoje praticamente não tem problemas.  Ela tem, coordenado por ela mesma, a contratação de 1 milhão de casas do  programa Minha Casa, Minha Vida número 1, e agora começa a contratar 2  milhões de casas para o programa número 2. Ela tem praticamente R$ 995  bilhões de investimentos no PAC 2, ela tem, só da Petrobras, US$ 224  bilhões em investimentos até 2014, uma quantidade enorme de coisas para  inaugurar, 46 escolas técnicas que estão em fase de término. Já deu um  aumento para o Bolsa Família, que foi uma coisa importantíssima. Está  trabalhando em um projeto para acabar definitivamente com a miséria no  Brasil. Não houve nenhuma grande realização nesses 100 primeiros dias de  governo, porque não é possível ter. Um filho leva nove meses para ser  gerado, você imagina uma grande obra? Mas ela tem o Brasil na cabeça,  tem os projetos prontos. Eu acho que a Dilma vai fazer um governo  excepcional para o Brasil.
BBC Brasil - E como é atualmente a relação do senhor com a presidente? Vocês mantêm contato frequente?
Lula - Mantemos, conversamos sempre. Nos encontramos quatro vezes  depois que eu deixei a Presidência. De vez em quando, querem dizer que  existem divergências entre eu e a Dilma. Não vai existir nunca  divergência entre eu e a Dilma, porque o dia em que tiver divergência  entre eu e ela, ela terá razão. 
BBC Brasil - Como o senhor avalia a atual situação no Oriente  Médio e qual papel o Brasil pode desempenhar nessa crise, principalmente  na Líbia?
Lula - É preciso ter cuidado para não tentarmos dar palpite  equivocado em um processo ainda em construção. Até agora, alguns  governos foram derrubados. O que vai acontecer depois, ainda é mais  dúvida do que certeza. Que tipo de Constituição vai existir em cada  país? Que tipo de gente vai ser eleita? Porque se a derrubada desses  governos se deu sem uma organização estruturada do ponto de vista  político, é muito difícil você montar governo e construir instituições  sólidas. Uma fruta, por mais gostosa que seja, quando fica no pé e você  não a colhe no tempo certo, apodrece e cai. O mesmo acontece com os  governantes. Na medida em que vai passando o tempo, na medida em que a  juventude começa a perder a esperança, acontece o que está acontecendo.
Eu acho que é um bem para a democracia. É preciso que o presidente  líbio, Muamar Khadafi, se disponha a negociar com as pessoas que estão  lutando, porque não pode continuar havendo violência. É preciso que ele  se disponha a conversar ou que convoque uma eleição, um referendo,  alguma coisa, para que seja possível medir o tamanho do desejo do povo  da saída (de Khadafi do governo). Mas eu acho que esse é um processo  normal, que aconteceu no Brasil, por ocasião do regime militar, em 1983 e  1984, durante a campanha para eleições diretas, aconteceu na Argentina,  no Chile, no Uruguai, no Paraguai, e agora é a vez do Oriente Médio. Eu  acho que esse processo é bom. Depois disso, poderemos colher a sensação  de um Oriente Médio renovado, mais preocupado com a juventude, com a  distribuição de renda, mais preocupado com a democracia.
BBC Brasil - Foram divulgadas notícias sobre um pedido da Venezuela  para que o senhor liderasse uma comissão internacional para mediar a  crise na Líbia.
Lula - Isso é um boato falso. O próprio ministro de Exteriores da Venezuela desmentiu.
BBC Brasil - Durante seus dois mandatos, foi aberta a embaixada  palestina no Brasil, foi criada a Cúpula América do Sul-Países Árabes, o  senhor fez inúmeras viagens ao Oriente Médio. Qual é a importância das  relações entre o Brasil e o Oriente Médio hoje?
Lula - Quanto mais forte for a relação do Brasil com o Oriente  Médio, do ponto de vista comercial, político, econômico e cultural,  menos o Oriente Médio será dependente da Europa e dos Estados Unidos, e  menos o Brasil será dependente da Europa e dos Estados Unidos. Nós  diversificamos as nossas relações. Durante séculos, nós estivemos  afastados, e eu diria que por interesses econômicos das grandes  potências. Não há motivo para governantes brasileiros passarem um século  e meio sem ir a países do Oriente Médio. Acho que essas relações tendem  a continuar crescendo. 
BBC Brasil - E quais são o objetivos dessa política voltada não só para países árabes, mas também africanos e sul-americanos?
Lula - A ideia fundamental é tentar socializar as experiências bem  sucedidas que nós tivemos no Brasil. Nem nós ainda temos noção do  resultado de tudo que nós fizemos. Quando terminou meu segundo mandato,  fiz questão, no dia 15 de dezembro (de 2010), de que todos os ministros  registrassem em cartório tudo o que fizemos, porque daqui para frente é  que vamos nos dar conta do que fizemos. Porque tirar 36 milhões de  pessoas da pobreza e levar para a classe média, e tirar 28 milhões da  pobreza extrema é resultado de um trabalho extraordinário de  microcrédito, de financiamento, de distribuição de renda, de aumento de  salário.
E eu quero mostrar essas coisas para outros países e ver se a gente  consegue arrumar recursos para financiar essas coisas naqueles países.  Não é possível que as pessoas não compreendam que quanto mais melhorar a  África, melhora a Alemanha, melhoram os Estados Unidos, melhora o  Brasil. Porque aumentam as relações entre os países, aumenta o poder de  consumo, melhora a qualidade de vida das pessoas. Eu fiz uma boa amizade  com os presidentes africanos, visitei 29 países. Eu, sozinho, visitei  mais que (todos os presidentes de) toda a história da República do  Brasil. Se eu puder ajudar Cabo Verde, Senegal, Guiné-Bissau, Angola,  Moçambique, eu tenho que ajudar. E estou disposto a fazer esse esforço.
BBC Brasil - E qual é a importância do Brasil hoje em dia como uma espécie de líder nas relações Sul-Sul?
Lula - A palavra líder é muito delicada, porque a gente só lidera  quem pede para ser liderado. E ninguém pediu para o Brasil liderar as  relações Sul-Sul. O que tem que se levar em conta é que o Brasil é a  maior economia, tem a maior população (da América Latina), e, portanto, é  quase que normal que o país tenha um papel importante nessas relações.  Mas qualquer um dos quatro países do Mercosul pode fala pelo Mercosul,  qualquer um da Unasul pode falar em nome da Unasul. O Brasil tem uma  maior inserção no mundo e tem a obrigação de fazer mais, de trabalhar  mais e de propor mais coisas. Eu acho extraordinário que os países da  América do Sul comecem a ser percebidos pelo mundo.
Acho que o Brasil começa a ser respeitado e ouvido, o mundo começa a  perceber que nós temos o que propor. Isso é bom, porque houve o fim de  uma bipolaridade, em que duas grandes potências diziam ao mundo o que  fazer. Depois do fim da bipolaridade, ficou quase que uma posição única.  No fundo, mandavam quase que só a União Europeia e os Estados Unidos. O  Brasil não quer pedir licença, o Brasil quer ser respeitado, quer ser  tratado como um adulto, que tem o que falar, que tem o fazer, que tem o  que propor, que sabe negociar. Acho que a tendência daqui para frente é o  Brasil se fortalecer muito mais na sua política externa, porque isso  foi muito bom para o país e para o povo brasileiro.
Há dez anos, os brasileiros viajavam para o exterior e tinham  vergonha de mostrar o passaporte, de dizer que eram brasileiros. Hoje os  brasileiros têm orgulho, em qualquer lugar do mundo, de dizer "sou  brasileiro". As pessoas já não conhecem mais o Brasil só pelo carnaval,  pela violência, pelas favelas e pelo futebol. Elas conhecem o Brasil  pelo acerto em sua política econômica, pelo acerto no tratamento da  crise, pela descoberta do pré-sal, pela distribuição de renda, pela  ascensão da classe pobre à classe média, por nossa política ambiental.
BBC Brasil - E o que o senhor tem feito? Quais são os planos para o  futuro? O senhor pretende se candidatar a algum cargo internacional?  Voltar para a política brasileira?
 Lula - Tudo o que eu falar agora será precipitado. Eu  tenho descansado, tenho trabalhado, feito palestras. No mês de março, eu  vou a Portugal receber um título da Universidade de Coimbra, vou ao  Paraguai em uma reunião sobre educação, vou ao Uruguai para a  comemoração dos 40 anos da Frente Ampla. Vou no dia 5 de abril para  Washington, para um debate promovido pela Microsoft, depois eu vou para  Acapulco, no México, para Madri e para Londres. 

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