Aos amigos que lhe perguntam como está se sentindo de volta à  planície, seis semanas depois de passar o cargo de presidente da  República para Dilma Rousseff, Lula deixa claro que não está nada fácil  adaptar-se à nova rotina: 
“É como se você estivesse dirigindo a 300 por hora, desse um cavalo de pau e, de repente, o carro parasse no meio da estrada…”. 
Outra imagem que surgiu na nossa conversa no final da tarde de  segunda-feira, foi a de alguém que simplesmente tiraram da tomada. Lula  sentiu isso literlamente no dia em em que deixou Brasília e voltou para o  seu apartamento em São Bernardo do Campo: à meia noite, foram  desligados os aparelhos de comunicação da antiga segurança presidencial.   
De roupa esporte, acompanhado apenas dos antigos e fiéis assessores  Clara Ant e Paulo Okamoto, de um secretário e dois seguranças, tudo o  que restou da antiga corte, o ex-presidente agora conversa sem pressa  com quem o visita em seu “gabinete provisório”, uma suíte no último  andar de um hotel na zona sul paulistana. 
Sem deixar de ajudar a mulher, Marisa, a desencaixotar a mudança e em  prosaicos afazeres domésticos, como lavar pratos, Lula está aos poucos  saindo da toca de São Bernardo do Campo, para onde voltou na noite de 1º  de janeiro, depois de ser o homem mais importante do país nos últimos  oito anos. 
Por mais que ele queira assumir o papel de ex, é tratado por onde  passa como se ainda fosse presidente. Vai demorar algum tempo para que  Lula possa “desencarnar” da Presidência, como ele mesmo tem falado, e os  brasileiros que o elegeram duas vezes se acostumem com seu novo papel. 
Habituado desde os seus tempos de presidente do sindicato dos  metalúrgicos, nos anos 70 do século passado, a viver rodeado de gente,  holofotes e microfones, falar para grandes platéias e viajar para cima e  para baixo, ele se programou para uma quarentena de obsequioso silêncio  até a quarta-feira de Cinzas. 
Só depois disso, quando puder voltar para o Instituto Cidadania, no  bairro do Ipiranga, onde trabalhava antes de ser eleito presidente, que  está passando por uma reforma, e montar uma assessoria de imprensa, Lula  deverá começar a atender às dezenas de pedidos de entrevistas que seus  assessores estão colecionando, vindos de toda parte, de dentro e de fora  do país. 
Por enquanto, ele tem evitado se manifestar em público, só quebrando a  promessa na semana passada, em viagem ao Senegal e na festa de  aniversário do PT, quando foi homenageado e voltou a ser presidente de  honra do partido. 
Para quem se habituou a falar a toda hora, por onde passa, sobre  qualquer assunto, não deve ser fácil, mas tem suas compensações. 
Agora, por exemplo, ele tem tempo para visitar velhos amigos, como  fez dias atrás, ao aparecer na casa do professor Antonio Candido, de 93  anos, petista histórico, apenas para bater um papo, que durou quase duas  horas. Ou para falar longamente por telefone com dona Canô, sua amiga  baiana, mãe de Caetano Veloso.
Entre esta quarta e quinta-feiras, ele tem vários compromissos  marcados no Rio de Janeiro, além de encontrar o governador Sergio  Cabral: vai conversar com Chico Buarque e Maria Conceição Tavares, a  direção do IBGE e o professor Marcelo Nery, da Fundação Getúlio Vargas.   
Na sua agenda para após o Carnaval, Lula já tem marcadas quatro  palestras no exterior. Má notícia para quem joga suas fichas num  confronto entre criador e criatura, elogiando uma para criticar o outro:  a relação de Lula com Dilma continua a mesma, sem ruídos nem  intermediários. Os dois colocam a conversa em dia pessoalmente pelo  menos uma vez a cada duas semanas. 
Em tempo:
Voltei agora há pouco de um encontro muito agradável com outro amigo  que ficou fora do poder _ desta vez, foi com o ex-vice de Lula, o  guerreiro José Alencar. Ele ainda estava na UTI do Sirio-Libanês, onde  foi internado na semana passada, com um quadro de perfuração do  intestino. 
Falante e animado como de costume, embora esteja bastante debilitado  pela doença, Alencar recordou histórias de Carantinga, no interior  mineiro, onde começou sua vida profissional com uma loja chamada “A  Queimadeira”, cantou e brincou quando me viu mais magro: 
“Se o Ronaldo Fenômeno tivesse falado com você, não teria abandonado o futebol…”.  
Junto com sua mulher, a sempre presente Mariza, e o professor e  consultor Antonio Marmo Trevisan, Alencar cantou velhos sambas de Noel  Rosa e ficou feliz quando a filha do meio, Patrícia, lhe mostrou novas  fotos das suas duas primeiras bisnetas. Vida que segue. 
É sempre bom conversar com o nosso ex-vice porque a gente sai do  hospital mais animado com a vida. Eu procuro cuidar bem dos meus  velhinhos… Um dia, afinal, todos nós vamos ficar velhos _ na melhor das  hipóteses… 
Só espero que seja com a mesma vontade de viver que José Alencar demonstra até nos momentos mais difíceis. 
 

 
 
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