Euler de França Belém, Revista Bula
“Com apoio de amplos setores civis, tanto nas elites quanto entre populares, militares derrubaram o presidente João Goulart, no início de abril de 1964. O primeiro presidente militar, Castello Branco, planejou uma transição com candidato civil para substitui-lo. O mineiro Bilac Pinto, um liberal, era uma de suas apostas. Não deu pé. A linha dura, liderada por Costa e Silva, optou pela continuidade da caserna e manteve o poder. A manutenção de partidos políticos, Arena e MDB, e portanto de eleições contribuiu para que a ditadura, embora autoritária, não se tornasse totalitária. A cassação de mandatos, com evidentes exageros, não impediu que políticos de proa da oposição, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, se manifestassem com frequência. Uma das principais falhas da historiografia patropi é concentrar-se demasiadamente na ação armada dos guerrilheiros, de resto útil aos militares duros para tornar o regime ainda mais fechado, e menoscabar a oposição legalista e os liberais arenistas (que nada tinham de truculentos). Políticos emblemáticos como Ulysses e Tancredo (poderia citar outros) pressionaram o regime o tempo todo e permaneceram na oposição. Liberais da Arena, ainda que omissos em alguns pontos, também contribuíram para que o regime fosse menos cruento. É possível que a omissão pública tenha sido menor do que a pressão interna — o que cabe aos historiadores, como os rigorosos Carlos Fico, Elio Gaspari e Ronaldo Costa Couto (autor de um magnífico livro sobre a Abertura), investigar. Sobretudo, arenistas e emedebistas, especialmente os liberais, sugeriam, mesmo quando falavam pouco, que havia uma alternativa democrática ao sistema ditatorial. Tanto que, 21 anos depois do golpe de 64, os civis voltaram ao poder, numa combinação de um emedebista (peemedebista), Tancredo, com um arenista (pedessista), José Sarney. Mas tudo foi possível mais cedo porque havia uma tendência liberalizante tanto nos quarteis quanto no partido governista. Ao assumir a Presidência da República, em 1974, o general Ernesto Geisel se impôs uma missão — “matar” a ditadura por meio da Abertura. Geisel e Golbery do Couto e Silva eram, por assim dizer, discípulos de Castello Branco. Liberalizaram o regime de tal forma que João Figueiredo, mesmo com alguns duros no governo, não tinha mais energia nem legimitidade para fechar o regime. O processo de Abertura havia envolvido a sociedade política e a sociedade civil de tal forma que recuar era praticamente impossível.
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