Os telegramas do Wikileaks, a mídia e o MST
Os  jornais brasileiros divulgaram na semana passada referências ao MST  feitas em telegramas sigilosos enviados nos últimos anos por diplomatas  estadunidenses no Brasil aos seus superiores em Washington e revelados  pela rede Wikileaks. Algumas reflexões podem ser feitas a partir da  leitura desse material.
Por Igor Fuser, na página do MST – via Escrevinhador
1.  A imprensa empresarial brasileira manteve nesse episódio sua habitual  postura de hostilidade sistemática ao MST, apresentado sempre por um  viés negativo, e sem direito a apresentar o seu ponto de vista.
Para  os jornais das grandes famílias que controlam a informação no país,  como os Marinho e os Frias, o acesso a vazamentos da correspondência  diplomática representou a chance de lançar um novo ataque à imagem do  MST, sob o disfarce da objetividade jornalística. Afinal, para todos os  efeitos, não seriam eles, os jornalistas, os responsáveis pelo conteúdo  veiculado, e sim os autores dos telegramas.
Desrespeitou-se  assim, mais uma vez, um princípio elementar da ética jornalística, que  obriga os veículos de comunicação a conceder espaço a todas as partes  envolvidas sempre que estão em jogo acusações ou temas controvertidos.  Uma postura jornalística honesta, voltada para a busca da verdade,  exigiria que O Globo, a Folha e o Estadão mobilizassem seus repórteres  para investigar as acusações que diplomatas dos EUA no Brasil  transmitiram aos seus superiores.
Em certos casos, nem seria  necessário deslocar um repórter até o local dos fatos. Nem mesmo dar um  telefonema ou sequer pesquisar os arquivos. Qualquer jornalista  minimamente informado sobre os conflitos agrários está careca de saber  que os assentados no Pontal do Paranapanema mencionados em um dos  telegramas não possuem qualquer vínculo com o MST.
Ou seja, os  jornais que escreveram sobre o assunto estão perfeitamente informados  de que o grupo ao qual um diplomata estadunidense atribui o aluguel de  lotes de assentamento para o agronegócio não é o MST. O diplomata está enganado ou agiu de má fé. E os jornais foram desonestos ao omitirem essa informação essencial.
Esse  é apenas um exemplo, revelador da postura antiética da imprensa em todo  o episódio. Se os vazamentos do Wikileaks mencionassem algum grande  empresário brasileiro, ele seria, evidentemente, consultado pela  imprensa, antes da publicação, e sua versão ganharia grande destaque. Já  com o MST os jornais deixam de lado qualquer consideração ética.
2.  A cobertura da mídia ignora o que os telegramas revelam de mais  relevante: a preocupação das autoridades estadunidenses com os  movimentos sociais no Brasil (e, por extensão, na América Latina como um  todo). Os diplomatas gringos se comportam, no Brasil do século 21, do  mesmo modo que os agentes coloniais do finado Império Britânico, sempre  alertas perante o menor sinal de rebeldia dos “nativos” nos territórios  sob o seu domínio.
Nas referidas mensagens, os funcionários se  mostram muitos incomodados com a força dos movimentos sociais, e tratam  de avaliar seus avanços e recuos, ainda que, muitas vezes, de forma  equivocada. O “abril vermelho”, em especial, provoca uma reação de medo  entre os agentes de Washington. Talvez por causa da cor… A pergunta é:  por que tanta preocupação do império estadunidense com questões que,  supostamente, deveriam interessar apenas aos brasileiros?
3. O  fato é que o imperialismo estadunidense é, sim, uma parte envolvida nos  conflitos agrários no Brasil. Essa constatação emerge, irrefutável, no  telegrama que trata da ocupação de uma fazenda registrada em nome de  proprietários estadunidenses em Unaí, Minas Gerais, em 2005. Pouco  importa o tamanho da propriedade (70 mil hectares, segundo o embaixador,  ou 44 mil, segundo o Incra).
O fundamental é que está em curso uma ocupação silenciosa do território rural brasileiro por empresas estrangeiras.  Milhões de hectares de terra fértil – segundo alguns cálculos, 3% do  território nacional – já estão em mãos de estrangeiros. O empenho do  embaixador John Danilovich no caso de Unaí sinaliza a importância desse  tema.
4. Em todas as referências a atores sociais brasileiros,  os telegramas deixam muito claro o alinhamento dos EUA com os interesses  mais conservadores – os grandes fazendeiros, os grandes empresários dos  municípios onde se instalam assentamentos, os juízes mais predispostos a  assinarem as ordens de reintegração de posse.
5. Por fim, o  material veiculado pelo Wikileaks fornece pistas sobre o alcance da  atuação da embaixada e dos órgãos consulares dos EUA como órgãos de  coleta de informações políticas. Evidentemente, essas informações fazem  parte do dia-a-dia da atividade diplomática em qualquer lugar no mundo.  Mas a história do século 20 mostra que, quando se trata dos EUA, a  diplomacia muitas vezes funciona apenas como uma fachada para a  espionagem e a interferência em assuntos internos de outros países.
Aqui  mesmo, no Brasil, fomos vítimas dessa postura com o envolvimento de  agentes dos EUA (inclusive diplomatas) nos preparativos do golpe militar  de 1964. À luz desses antecedentes, notícias como a de que o consulado  estadunidense em São Paulo enviou um “assessor econômico” ao interior  paulista para investigar a situação dos assentamentos de sem-terra  constituem motivos de preocupação. Será essa a conduta correta de um  diplomata estrangeiro em um país soberano?
*Igor Fuser é  professor da Faculdade Cásper Líbero, doutorando em Ciência Política na  USP e membro do conselho editorial do Brasil de Fato.

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