quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Familiares de desaparecidos dizem que sentença da OEA é “vitória”

Brasil foi condenado por crimes cometidos pela ditadura no Araguaia

Asentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgada nesta terça-feira (14), que pela primeira vez responsabilizou o Estado brasileiro por crimes cometidos na ditadura militar, representa um marco na luta de familiares que, há 40 anos, buscam saber o que de fato houve com as cerca de 70 pessoas que combateram o Exército na região do Araguaia na década de 1970.

Em entrevista concedida nesta quarta (15) em São Paulo, alguns destes familiares revelaram ter recebido a notícia com sentimentos diversos. Houve quem falasse em satisfação. Outros se disseram “envergonhados” com a falta de vontade política dos últimos governos para tratar do caso.


Todos, porém, mostraram-se esperançosos de que a condenação do Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia abra um precedente para as investigações das demais violações dos direitos humanos cometidas pelos militares, que permaneceram no poder entre 1964 e 1985.


Victória Grabois, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, perdeu o pai (Maurício Grabois), o marido (Gilberto Olímpio Maria) e o irmão (André Grabois), todos combatentes no Araguaia. Para ela, a decisão da Corte representa um “alento”.


- Isso traz um novo alento para as investigações das graves violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil, não só no caso do Araguaia, que vai abrir um precedente, mas para todos os casos de desaparecidos políticos do nosso país. São mais de 300 pessoas, entre mortos e desaparecidos.


A luta dos familiares das vítimas começou ainda nos anos 80, em pleno regime militar. Em 1982, uma primeira ação foi impetrada na Justiça brasileira. A sentença saiu apenas em 2003, mas o Estado brasileiro recorreu.


A decisão do tribunal, um órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos), é o desfecho de outro processo, este iniciado no sistema interamericano em 1995. Os autores da ação são o Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), o grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.


João Carlos Grabois, filho de André Grabois, disse que a determinação da Corte mostrou que os familiares dos desaparecidos “não estão mais sozinhos” em sua luta.


- Parece que tudo aquilo que aconteceu com nós, familiares, não aconteceu com os brasileiros. A gente sentiu que ali não estávamos mais sós.


Sua mãe, Criméia de Almeida, presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, afirmou que o Estado brasileiro será agora obrigado a construir, a partir das investigações, uma “verdade judicial” sobre os fatos ocorridos no Araguaia.


- Nós queremos ouvir os torturadores, que eles tenham direito à defesa, e que se decida judicialmente qual é a verdade dos fatos e as circunstâncias das mortes.

Criméia lembrou as dificuldades enfrentadas pelos familiares há décadas e disse se sentir agora uma vitoriosa.


- Vencemos não poucos inimigos. Vencemos a arrogância dos militares e a arrogância do Judiciário. Somos vitoriosos.


Helenalda Nazareth, irmã de Helenira Rezende de Souza Nazareth, também morta no Araguaia, chamou a atenção para o impacto psicológico deixado pelo período de repressão e pela postura do Estado brasileiro nos últimos anos. Uma das determinações do tribunal da OEA diz respeito justamente à necessidade de prover tratamento psicológico às vítimas.


- Todos esses anos os governos têm nos submetido a uma tortura. Se a ditadura não foi tão pesada, se foi branda, como dizem, é porque as pessoas não consideram também o efeito psicológico.


Igor Grabois, filho de Victoria Grabois, ironizou o fato de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegará ao fim arranhado pela condenação na Corte Interamericana.


- O governo Lula, que combateu a fome, que defende o clima e grandes questões da humanidade, fecha seu mandato com uma condenação. Deixa como herança uma condenação grave.


Para ele, que milita no PCB (Partido Comunista Brasileiro) e neste ano disputou o governo de São Paulo, é uma “vergonha” o Estado brasileiro precisar receber uma condenação no sistema interamericano para que tome atitudes em relação ao Araguaia.


- O nosso país se orgulha de tantos avanços econômicos, culturais, científicos, de ser a maior democracia do mundo emergente, e não resolve uma questão que se arrasta há mais de 40 anos.


Dilma


Quanto às expectativas sobre o governo de Dilma Rousseff, que foi presa e torturada pelo regime militar, Maria Amélia de Almeida teles, ex-presa política e ex-militante do PCdoB, disse esperar que a presidente eleita se "identifique" com as demandas dos familiares das vítimas.


- Ela foi presa, e torturada, poderia ser uma desaparecida também. Ela tinha o mesmo perfil. Então, essa identidade pode incentivá-la.


Victória Grabois lamentou que o Brasil esteja “atrasado” em relação aos vizinhos quanto à apuração de violações dos direitos humanos cometidas por militares e à punição dos responsáveis.


- O Brasil é o país mais atrasado da América Latina quando se fala da questão da impunidade. Como grande líder regional, na questão de direitos humanos e dos mortos e desaparecidos, o país ainda deve satisfação a nós, familiares, e à sociedade.

Portal r7

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