Valter Lima, do Sergipe 247, e Leonardo Attuch -
Uma semana atrás, na pequena cidade de Indiaroba, em Sergipe, o
governador Marcelo Déda, do Partido dos Trabalhadores, praticamente
lançou a presidente Dilma Rousseff à reeleição num discurso pontuado com
citações a Camões. Déda lembrou da figura do Velho do Restelo, que
previa que as navegações portuguesas rumo às Índias não dariam certo,
fazendo uma comparação com os que contestam a nova política para o setor
energético. Hoje, ele é um dos integrantes do PT mais próximos ao
ex-presidente Lula e também à presidente Dilma. E garante que não há
dúvidas sobre a sucessão em 2014. "Do ponto de vista das condições
objetivas, e também subjetivas, não dá outra hipótese para o PT que não
Dilma", disse ele. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista
exclusiva concedida ao 247, que, nesta quarta-feira, lança oficialmente o
Sergipe 247, mais um braço da nossa rede:
247 - Há uma semana, o senhor participou de um
evento que foi praticamente um lançamento da candidatura da presidente
Dilma Rousseff à reeleição em 2014. No PT, essa questão está resolvida
ou ainda há a possibilidade de que o ex-presidente Lula volte?
Marcelo Déda - Do ponto de vista das
condições objetivas, e também subjetivas, não dá outra hipótese para o
PT que não Dilma. Só que há algo que deixa nossos opositores muitos
confusos. A matriz da relação política no Brasil entre sucessor e
sucedido é a crise. Entre Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso
houve crise. Um brigando publicamente com o outro, disputando o DNA do
Plano Real. Nos governos e nas prefeituras é a mesma coisa. Mas Dilma e
Lula são diferentes. A matriz da relação é a lealdade e nós,
brasileiros, não estávamos acostumados com isso. Outro aspecto novo é a
relação de permanente diálogo, o que deveria ser encarado com
naturalidade, mas ainda surpreende muita gente. Essa relação, em vez de
se transformar em foco de crise, virou um ativo político.
247 - Mas há quem enxergue uma tutela do
ex-presidente Lula sobre a presidente Dilma e também em outros casos,
como na prefeitura de São Paulo.
Déda - Seria uma prova de demência que um
prefeito, um governador ou um presidente da República tendo nos quadros
do seu partido uma liderança política, e popular, como o ex-presidente
Lula, que tem um legado tão grande, deixasse de conversar por vaidade ou
por medo de que isso fosse percebido como tutela. Em relação à
presidenta Dilma, a cada dia que passa, mais eu me surpreendo com seus
valores e com sua qualidade. Dialogar com um antecessor é um fenômeno
que, por exemplo, a democracia reserva com muito carinho. Eles são uma
reserva de experiência, sobretudo em momentos de crise. É um diálogo
rico. Hoje, vivemos uma crise internacional, que tem como foco a Europa,
e o ex-presidente Lula enfrentou algo semelhante em 2008 e 2009, que
teve como foco os Estados Unidos. O diálogo entre os dois serve ao
Brasil. Além disso, do ponto de vista político, Dilma é PT, Lula é PT e
foi Lula quem lançou Dilma.
247 - Mas isso confunde os adversários, que não sabem se atacam ele ou ela.
Déda - É que o óbvio sempre confunde. No
Brasil, a exceção é que era a regra. Por exemplo: Itamar ter eleito
Fernando Henrique e Fernando Henrique ter tomado de seu governo o grande
feito que foi o Plano Real. Dilma não contesta a herança de Lula. Ao
contrário, ela valoriza essa herança e a aprofunda, construindo sua
agenda própria de mudanças, com novas políticas, como na energia, nos
juros e em vários outros campos. Dilma reafirma que o legado de Lula é
parte de sua experiência governamental, mas tem inova não apenas com
outras políticas públicas, mas também com seu estilo e com sua
capacidade de ser leal ao PT, ao ex-presidente e à sua coligação, sem
abrir mão da sua singularidade.
247 - É que lealdade, na política, não é algo comum.
Déda - Sim. Aliás, se você notar grande
parte dos editoriais da mídia ao longo do ano passado, há um
desapontamento com o não rompimento e com a reafirmação permanente dessa
lealdade.
247 - Com Dilma e Lula trabalhando juntos, Eduardo Campos terá espaço para se lançar candidato pelo PSB?
Déda - O movimento que Eduardo Campos e o
PSB têm feito é um movimento previsível em qualquer cena política. É
como aquele sujeito que passou o ano inteiro na academia levantando
ferro. Aí chega o verão. Ele não vai sair para a praia com uma camisa de
manga comprida. Ele vai exibir os músculos para mostrar o resultado do
seu esforço. O PSB cresceu e, em consequência disso, Eduardo se
fortaleceu. É natural e legítimo que eles exibam os músculos e digam à
presidenta Dilma, ao PT e aos aliados que querem ter mais influência.
Eduardo tentar ser candidato é legítimo. O PSB lançou Ciro e isso não
impediu que a aliança do PSB com o PT fosse uma das mais consolidadas no
nosso bloco. Mas será que o momento do Eduardo é 2014? Não sei.
247 - E o PMDB? As vitórias de Renan Calheiros e
Henrique Alves foram boas para o projeto Dilma ou o PT fortaleceu em
excesso um aliado que tem a reputação de cobrar caro demais pelo apoio?
Déda - O peso do PMDB é menos decorrente
das eleições dos últimos dias do que da singularidade da política
brasileira, que reservou um papel de centro móvel para o PMDB. O que há
de novo no peso que o PMDB exerce no equilíbrio político brasileiro?
Nada. Desde o governo Itamar, eles têm um papel indispensável na
construção da governabilidade desse nosso presidencialismo de coalizão,
porque abriram mão da ambição de poder, entendida como desejo de eleger
um presidente da República, que é inerente a qualquer partido político. É
indispensável para qualquer presidente, seja ele Fernando Henrique,
Lula ou Dilma que se sente para discutir com o PMDB a construção de uma
maioria no Congresso.
247 - Mas não ficaram fortes demais?
Déda - Há problemas? Há. Eu, por exemplo,
não sou simpático a uma situação em que um mesmo partido controle as
duas casas no Congresso. O ideal seria a possibilidade de se permitir um
funcionamento mais plural do Congresso e da própria base do governo.
Mas essa é a realidade e qual seria a opção? Colocar o PMDB na
ilegalidade? Fechar o Congresso?
247 - Na sua opinião, a indignação de alguns meios de comunicação com as escolhas de Renan e Henrique é sincera?
Déda - Eu diria que é uma indignação de
alfaiate, cortada sob medida. Nunca vi essa indignação, por exemplo,
quando Renan foi ministro da Justiça de Fernando Henrique. Quando fui
parlamentar, vi situações similares. Não é necessário concordar com os
estilos políticos do Renan e do Henrique, mas é preciso compreender que
se consolidou uma maioria no Congresso e essa maioria produziu aquele
resultado. A alternativa a isso é dramática. É caminhar num sentido de
dispensar o Congresso Nacional. A democracia brasileira não é a mais
perfeita do mundo, tem suas contradições, graves contradições, mas ela,
com seu singular presidencialismo de coalizão, garantiu 25 anos de
estabilidade, com institucionalidade plena e liberdade de imprensa. Com
todos os defeitos que Câmara e Senado possam ter, essas duas casas foram
o esteio da democracia. E isso não é pouco não.
247 - Há uma tentativa de desmoralizar o Congresso?
Déda - O que mais incomoda a oposição e
parte da mídia no Brasil é que Lula recusou o destino e o figurino do
caudilho. É isso que afasta o Brasil do chavismo, por maiores que sejam
os avanços que Chávez promoveu na Venezuela. Lula é um líder singular no
Brasil e no mundo. Um dos grandes insights de sindicalista, que Lula
traz até hoje, de um homem destinado a transformar um país, é que ele
não pode estar nem dois passos à frente do povo nem dois passos atrás
dele. Tem que estar numa velocidade tal que sua ação influencie, mas não
maniete e não paralise. Lula entendeu a necessidade de construir um
partido e de consolidar uma organização partidária com democracia
interna. Depois compreendeu, mais adiante, a necessidade de construir
alianças. E entendeu que os limites do PT não eram suficientes para
governar a nação brasileira. Um único elemento que tornaria sua volta
possível, que a meu ver está distante, seria um fator de conjuntura. Uma
mudança na realidade política tal que Dilma não tivesse condições
objetivas de ser candidata. Mas Dilma, que já é a cara da gestão, tem
demonstrado uma enorme capacidade política de conduzir o governo e de
manter-se como a melhor candidata para o Lula, para o PT, para o PMDB,
para o Gilberto Kassab e mesmo para o Eduardo Campos.
247 - Até para o Eduardo Campos?
Déda - Sim e digo isso com todas as
letras. Eduardo terá mais futuro na política brasileira, quanto maior o
sucesso desse projeto que Lula e Dilma têm liderado. Por isso que eu não
vejo Eduardo construindo uma aliança com outras forças. O nordestino
usa uma expressão que Luiz Gonzaga eternizou que é o matulão. Uma mala
amarrada de cordão. Quando o nordestino migrava, ele tinha pouco a levar
do ponto de vista material e tudo cabia no matulão – as roupas, o
dinheirinho e os retratos dos parentes mais queridos. Deixar o matulão
era inviabilizar a volta. Eduardo é parte do nosso projeto e é também
nordestino como eu. E não vai deixar o matulão que construiu com Lula e
Dilma. Mas isso é uma avaliação. Não é uma sentença. Ele é um homem
corajoso e presidência, como dizia o velho Tancredo Neves, é destino.
247 - O governador Jaques Wagner, da Bahia, já disse que ele poderá ser o candidato da coalizão em 2018.
Déda - Eu compartilho dessa posição. E a
forma que nós, do Partido dos Trabalhadores, temos que pensar em 2018
deve ser muito mais generosa do que simplesmente se manter no poder pelo
maior espaço de tempo. Eduardo, certamente, é uma das hipóteses. O que
não pode acontecer é o PT exigir fidelidade eterna do PSB nem o PSB
pedir que o PT descarte, de imediato, uma alternativa própria em 2018. A
construção do projeto se dá ao longo da caminhada.
247 - O PSDB ainda é, na sua visão, uma alternativa de poder para o Brasil?
Déda - O PSDB teve um papel histórico
importante que foi a construção da estabilidade, com o Plano Real. Mas,
depois disso, eles se colocaram num beco tão estreito, que não
representam nem mais a burguesia industrial. Falam apenas com o mundo
das finanças. Seria bom para o País que tivéssemos um PSDB que
colaborasse mais com o debate público. Eles se perderam na agenda
neoliberal. Tanto é que são capazes de combater a redução das tarifas de
energia, que é um elemento essencial de redução do Custo Brasil.
247 - Como o senhor avalia o quadro atual de judicialização da política?
Déda - O que mais me preocupa no Brasil
de hoje é ver um opositor deixar de procurar a tribuna e procurar um
juiz. O grande mal da judicialização da política brasileira é que seus
defensores fortalecem um pensamento atávico no Brasil: o de que a
política e os políticos são dispensáveis. Ao conduzir todas as suas
demandas para o Judiciário e para o Ministério Público, a oposição
brasileira e grande parte da mídia promovem um movimento que ameaça a
democracia.
247 - Golpismo?
Déda - Eu sou muito cauteloso em
identificar nos movimentos da política brasileira uma vocação golpista.
Agora, que me assusta a forma como políticos tentam, pela via da
judicialização, reduzir a referência política do Partido dos
Trabalhadores ou a imagem do presidente Lula, assusta. É um movimento
que, ao fim e ao cabo, transformará nossa oposição em refém, cada vez
mais, das suas próprias paranoias. Primeiro, a imprensa substituiu a
oposição. Agora, o Judiciário e o Ministério Público cumprem esse papel.
E esse não é um bom movimento.
Confira aqui os trechos em que o governador Marcelo Déda fala sobre a disputa política sergipana.
Fonte: Brasil247.com
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