O julgamento da ação penal 470 conhecida como
processo do mensalão chegou ao seu término com um desfecho
surpreendentemente favorável aos réus na parte que os manteve em
liberdade, apesar do açodado pedido de prisão imediata feita pelo PGR
numa jogada solerte, indigna do chefe do ministério público que já havia
formulado esse mesmo pedido ao plenário do STF, retirado em seguida
depois que percebeu que não lograria êxito no intento de oferecer as
cabeças coroadas dos petistas graúdos para turba.
O sentimento predominante no plenário do STF era o de resguardar
aos réus o direito de esgotarem todas as vias recursais de sorte que o
trânsito em julgado se desse após um detido exame nos recursos que serão
apresentados pela defesa deles, depois da publicação do acórdão da
sentença.
Se presos fossem, Dirceu e companhia ficariam expostos a um
espetáculo midiático jamais visto na história da justiça desse país,
comparado ao do sentenciado Damiens descrito por Michel Foucualt, na
obra Vigiar e Punir, exceto pelo sofrimento físico imposto e pelo fato
de que Damiens era um confesso parricida.
Já toda a humilhação pública, a desonra, o enxovalhamento de suas
honras para além de qualquer reparação reforçaria a desconfiança de que
o mensalão é um julgamento de exceção com todas as garantias
constitucionais dos acusados inobservadas e de que não haverá no STF um
outro julgamento com semelhantes características, tanto pelo fato
causador quanto pelas decisões tomadas pelos ministros do STF.
O passo seguinte dado por Roberto Gurgel demonstrou o caráter
perverso do homem que tem a função de ser o fiscal da lei e zelar pelo
seu cumprimento. A sua diligência em agir com prontidão e presteza no
caso da ação penal 470 mantendo vigilância para fazer valer o peso da
lei sobre os réus, mesmo atropelando princípios constitucionais e
tomando medidas que violam as garantias individuais dos antes acusados e
agora condenados, distoa do modo leniente como agiu durante as
operações Vegas e Monte Carlos da polícia federal, que trouxe à lume o
esquema criminoso de Carlos Augusto Ramos, o Calinhos Cachoeira,
permitindo que perdurasse tempo suficiente para que se alimentasse a
hidra Demóstenes Torres, o falso moralista que reelegeu-se senador pelo
Estado de Goiás e com desenvoltura circulava pelo congresso nacional
quando Gurgel já o conhecia suficientemente bem para saber de seu
envolvimento com Cachoeira e nada fez para impedir que Demóstenes
continuasse a enganar o povo de Goiás e os brasileiros com seu discurso
do abismo moral.
Não sem razão o senador Fernando Collor de Mello fez os mais duros
ataques a Gurgel da tribuna do senado, repetidas vezes chamando-o de
prevaricador e de engavetador de processos. A imprensa tão sequiosa pela
moralização da vida pública simplesmente ignorou as acusações do
senador, não deu seguimento as denúncias, não as tratou com a
repercussão necessária que se requeria, em completa dissimulação,
negando ao país o conhecimento das ações do PGR no tratamento que dá aos
casos de corrupção por ele investigados, atribuindo diferentes pesos e
medidas de acordo com critérios pessoais que ferem à lei, numa
demonstração de que suas motivações perpassam a isenção que se espera do
chefe do ministério público.
O silêncio da mídia em relação aos atos praticados por Gurgel à
frente da PGR que em muitos casos configurariam crimes de função, é
parte de um acordo informal que caracteriza a atuação da grande mídia
nos últimos anos. Se há uma possibilidade real de prenderem petistas, de
demonstrarem que o PT é uma organização criminosa pior do que o PCC e o
CV, como afirmou o ministro decano do STF, Celso de Mello, no circo
midiático montado para condenar antecipadamente os réus do
“mensalão”, ignora-se o acessório para cuidar do principal.
Assim Gurgel que não sobreviveria a um dia na chefia da PGR se o
Jornal Nacional dedicasse 5 dos 18 minutos que dedicou ao mensalão às
vésperas das eleições de outubro de 2012 para demonstrar que Carlinhos
Cachoeira só cometeu muitos dos crimes de que é acusado porque Gurgel
falhou em cumprir com seu munus bem como para demonstrar que vários
processos que se encontram na PGR de pessoas com prerrogativas de foro
estão concentrados nas mãos da subprocuradora Cláudia Sampaio, esposa de
Gurgel, e de lá não andam por força de interesses escusos mantidos
sorrateiramente por Roberto Gurgel, de acordo com denúncias do senador
Fenando Collor de Mello, continua não obstante como procurador geral,
graças a essa blindagem dada pela mídia, a esse acordo informal que une
todos no objetivo de transformar o partido dos trabalhadores num ninho
de bandidos.
Essa cobertura facciosa da mídia permitiu que Gurgel avançasse na
maior desfaçatez e ousadia sobre as garantias dos réus, fazendo as mais
vis estripulias para trancafiá-los numa prisão de quinta categoria, em
completa violação ao direito de responderem em liberdade até que o
trânsito em julgado dessa famigerada ação penal ocorra como sói
acontecer em todos os outros casos, sendo este o único de peculiaridades
especiais que para o procurador geral deveria ser diferente dos demais,
ainda que a jurisprudência do STF determine o contrário.
A falta de pudor de Gurgel não está na apresentação do pedido de
prisão dos réus do mensalão em busca de uma decisão teratológica do STF.
A sua falta de pudor está em perceber que seria vencido no plenário
pelos ministros da suprema corte e num lance imoral retirar o pedido e
reapresenta-lo em seguida para apreciação monocrática de Joaquim Barbosa
durante o recesso da justiça, na certeza de que Barbosa acataria o
pedido e decretaria a prisão dos réus.
Essa tática imoral de Gurgel tem uma razão de fundo. Gurgel sabe
das ações que tomou na PGR durante a operação Vegas da polícia federal.
Sabe também que só havia um meio para evitar ser questionado ou objeto
de campanha na grande mídia pela sua destituição, atuar com firmeza e de
olhos fechados contra o PT e seus mais influentes militantes.
Isso lhe dá salvo conduto para permanecer até o fim do mandato como
procurador geral, embora em qualquer outra parte do mundo, nenhuma
outra pessoa ocupando a posição que Gurgel desfruta sobreviveria as
contundentes denúncias feitas pelo senador Fernando Collor de Mello.
A esperteza de Gurgel reside em ter se dado conta de que para
livrar-se das acusações de Collor e sair do olho do furacão de uma
eventual campanha midiática pela sua destituição da procuradoria geral
da república, passaria pelo caminho de agir com toda força de seu cargo
para impingir aos acusados na ação penal 470 os crimes pelos quais foram
condenados no plenário do STF,
embora a conduta de Gurgel não seja menos reprovável no tocante a
omissão verificada por ocasião da operação Vegas em relação à conduta
atribuída aos réus, a estes porém concorrendo o questionamento de que
foram condenados sem provas, com base em uma pressão midiática sem
paralelo que levou os ministros do STF a um contorcionismo mental capaz
de torcer a constituição para dela sorver os argumentos que levaram os
réus à desgraça, enquanto a Gurgel pululam provas de que suas ações na
PGR, no caso da operação Vegas da polícia federal, o compromete de um
modo que só podemos taxar de imoral e que sua permanência na PGR é
acintosa sob todos pontos de vistas.
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