sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Cortina de fumaça na reforma política


Artur (Naza do PT), Zé Dirceu e Hermano Queiroz, em encontro do PT em 2010
 Está aberta a temporada de caça à reforma política. Surgem na grande imprensa ataques às propostas para mudar nosso sistema político-partidário e eleitoral. Como se o atual modelo, tão alvejado por esses mesmos veículos de comunicação, fosse mais desejável que as transformações até agora sugeridas. Pior: como se não debater pudesse ser o melhor caminho.

Os mais graves problemas do sistema político não serão superados sem uma reforma política. Essa não é a primeira vez que defendo a importância e necessidade da reforma. Mas o que pensam as oposições? E quanto dedica a grande imprensa ao tema? Infelizmente, têm silenciado na maioria das vezes.

Essa omissão gera um ciclo vicioso: criticam o atual modelo, apontando seus frutos podres —o maior deles, a corrupção; pouco espaço dedicam a um debate comprometido com a mudança desse modelo; e, finalmente, atacam as discussões das quais escolhem não participar, acusando-as de serem contra o interesse da sociedade. A depender da mídia e das oposições, não teremos reforma política.

O colunista Elio Gaspari, dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, parece ter se contaminado. Não é de hoje que ele critica as propostas de reforma, o que é valoroso. O problema maior de sua coluna de 21/8, contudo, é afirmar que a reforma tramita quase em segredo. Nem o mais feroz crítico do governo concorda que a tramitação tem sido feita como preparação para “um golpe parlamentar de proporções inauditas” desde a ditadura. A reforma tem sido discutida de forma transparente e pública no Congresso Nacional. Ou seja, quem mantém a matéria quase secreta é a mídia!

Na raiz da acusação está um equívoco: a “tentativa de golpe” seria aprovar temas constitucionais via projetos de lei ordinária, para que a exigência de dois terços dos votos parlamentares se transforme em maioria simples. Equivoca-se porque a Constituição exige dois terços dos votos quando se trata de mudar o texto constitucional, casos do fim do voto obrigatório ou do voto proporcional. Mas as propostas de voto em lista ou de financiamento público de campanha são típicas matérias de legislação ordinária. Portanto, quem fixa esse rito é a Constituição.

As oposições e a grande imprensa têm sido constantemente convidadas a discutir a reforma política. Porque são saudáveis e democráticas as críticas fundamentadas, sem elas o saldo na aprovação de toda e qualquer lei é sempre menor. Mas não podemos mais protelar a reforma política e concordar com o atual sistema. E o silêncio das oposições e da mídia colabora para manter tudo como está. 

Quaisquer propostas de reforma política têm prós e contras. Compete à sociedade debater, no Congresso Nacional, os rumos dessas mudanças. A base do nosso atual sistema eleitoral é o financiamento privado de campanha —das empresas majoritariamente— e o voto uninominal. São siameses da corrupção e do abuso do poder econômico.

A saída é adotar o financiamento público de campanha e o voto proporcional misto, soluções democráticas e constitucionais para a crise de um modelo falido e único no mundo. Quem defende o atual modelo, cujos efeitos negativos já conhecemos há duas décadas? Pois os riscos da falta de debate são justamente a manutenção desse sistema.

Tenho me empenhado em debater a reforma política na defesa de um modelo que reduza o espaço para a corrupção, fortaleça as discussões programáticas e o embate de projetos no processo eleitoral e, como consequência, resulte no resgate dos partidos como sede primeira do exercício da política e espaço de diálogo democrático. Avalio que sem voto em lista partidária e financiamento público de campanha não atenderemos a esse objetivo.

Se quisermos melhorar nosso sistema político, não podemos mais nos perder em questões menores, em cortinas de fumaça que só colaboram para retardar a reforma. O caminho é um só: enfrentar as divergências, superando-as no debate quando for possível ou confrontando-as no voto no Congresso. O debate está aberto, como sempre esteve. E o país agradece.

*José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

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